O ano era 2019.
Eu tinha todo um plano de mudança por trás, mas ainda assim, trabalhava como se não fosse mudar, e foi assim até o final.
Isso era justamente o que deixava as pessoas mais encucadas. Como assim ela está aqui dando a alma no trabalho, e ao mesmo tempo, planejando “abandonar” tudo? O que passa na cabeça dela? As pessoas ficam curiosas, claro.
Coragem é curioso. Arriscar é curioso.
E em um desses dias, o presidente da empresa, depois de uma reunião em São Paulo, já sabendo da minha partida, me perguntou se eu estava louca. Em outras palavras, claro. Ele me ouviu atentamente e depois disse “eu entendo a sua vontade de mudar, de explorar, de ir para Europa, e acho que no seu lugar eu faria o mesmo. Mas seja esperta. Vá pela empresa. Consiga uma vaga antes e só depois vá. Espera. Você tem talento, não jogue pro alto pra mudar sem nada. Não troque o certo pelo duvidoso.”
Essa conversa podia ter acabado com tudo, mas não me fez titubear porque eu já tinha escolhido.
Se eu não tivesse trocado o certo pelo duvidoso eu não teria encontrado essa minha versão empreendedora, criativa, flexível.
Eu também não teria tomado as rédeas da minha própria direção e nem aprendido a falar não. Muito menos amansado meu ego e alargado meu coração.
Trocar o certo pelo duvidoso é escolher sair da zona de conforto, e levar o seu talento junto.
E sair da zona de conforto é se sentir vivo.
Quem está vivo pulsa, se arrepia. Sente dor e amor. Chora e sorri. Mas vive.
Sair da zona de conforto é escolher a dúvida. É não reconhecer. É olhar a vida toda de novo. Com os mesmos olhos, mas outras lentes.
É voltar para aquela que nunca vai te deixar sozinho: a sua essência.
Você mesmo, despido de certezas, de provas sociais, de certo e de errado.
Tá, e de onde vem essa coragem?
Não sei de onde tirei a ideia de que precisava de coragem para decidir mudar.
Eu precisava decidir mudar pra, então, ter coragem.
Minha coragem nasce do escolher.
De tomar decisão sem a certeza de que ela é certa. É topar o risco, porque viver é um risco.
Tenho sentido que escolher, e se responsabilizar pela escolha, é a maturidade de adultecer.
É não ter ninguém pra botar a culpa, sabe?
Nem o país, nem os pais, nem o atual contexto.
É saber que não escolher, é também uma escolha.
A gente tende a não tomar a decisão achando que ainda falta coragem.
Mas não.
Coragem a gente constrói no movimento.
Não tomar a decisão é a decisão que hoje guia sua vida. Já pensou que doido disso?
Então se responsabilize por ela. Não é falta de coragem, é que você escolheu ainda não escolher.
Investigue o porquê.
Será que no fundo você quer mesmo uma mudança, ou é a grama do vizinho que está sempre mais verde?
Regue a sua. Perceba como ela é bonita também. Depois decida, ficar ou ir?
Vou ficar nesse trabalho ou buscar outro?
Seguir minha carreira ou me reiventar do zero?
Ficar na minha cidade, país, ou mudar de mala e cuia?
Assumir o cuidado integral do meu bebê ou peitar delegar?
Escolher é o primeiro passo.
E é esse passo que me traz a coragem que você precisa pra seguir. Depois rearranje a rota, se preciso.
Como diria Guimarães Rosa “O correr da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Ser capaz de ficar alegre e mais alegre no meio da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza.”
Vida é movimento.
Decida. Escolha. Arrisque.
Se precisar voltar atrás, volte.
Celebre as conquistas no caminho.
Troque o certo pelo duvidoso mais vezes.
Sua escrita é tão psicanalítica! Como Lacan dizia...sacode com uma mão e segura com a outra. 🤍
Sempre maravilhosa nas palavras!